Diálogos sobre Inteligência Artificial e Emocional marcam a Jornada Bett Nordeste

Após dois dias de muito diálogo sobre o futuro da Educação Básica no país, encerrou-se no dia 5 de setembro a edição 2024 da Jornada Bett Nordeste, evento itinerante realizado pela Bett Brasil, organizadora do maior evento de Inovação e Tecnologia para Educação na América Latina. Realizada em Recife, a jornada apresentou mais de 16 horas de conteúdo, contou com a presença de mais de 50 palestrantes convidados – entre educadores e especialistas da área – e, ainda, um espaço de exposição com marcas ligadas ao mercado de Educação.

A pauta principal do evento, “IA e IE na educação: o que devemos aprender?”, foi a temática de um painel que reuniu expoentes da área de Educação da região Nordeste: o coordenador de Ciência e Inovação da Proz Educação e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Luciano Meira; a professora do departamento de psicologia da UFPE, Marina Pinheiro; e o diretor presidente do Porto Digital, Pierre Lucena.

“Ao falar sobre o que podemos aprender com a IA, é fundamental lembrar que a aprendizagem é, antes de tudo, um processo de diálogo, não de entrincheiramento”, afirmou Marina. Para ela, as inovações tecnológicas, como a Inteligência Artificial, muitas vezes geram uma certa resistência na educação, principalmente quando envolvem questões de autoria e autonomia do pensamento. “Há uma preocupação com a emancipação do sujeito enquanto agente que constrói cultura”, disse ela.

A professora destacou que a IA traz desafios sensíveis, pois antes acreditava-se que as máquinas apenas traduziam informações sem produzir sentido, mas essa visão tem mudado. “A questão agora é como podemos potencializar o uso dessa tecnologia e lembrar que nós damos vida aos objetos. Seja no brincar de uma criança ou nas inovações tecnológicas, tudo se transforma em uma extensão de quem utiliza”, salientou.

Ainda no sentido de “o que devemos aprender?”, Meira destacou que o primeiro ponto primordial é considerar os professores e os gestores escolares no centro do processo. “Qualquer implementação de tecnologia, especialmente algo tão sofisticado como a IA, precisa colocar o professor e a gestão escolar no centro das decisões institucionais, garantindo que tudo faça sentido no contexto local”, afirmou Meira.

Para ele, outro ponto é a valorização do papel do professor. A IA deve ser vista como uma ferramenta que se integra às atividades docentes, não apenas para complementar, mas para expandir as possibilidades de ensino. “A IA não serve só para potencializar o trabalho do professor, mas para ampliar sua capacidade de executar a própria atividade”, disse.

O professor reforçou que o momento atual exige mais experimentação e diálogo em relação às tecnologias digitais na educação. “Ainda sabemos muito pouco sobre o impacto da IA, e estamos apenas começando a explorar essas possibilidades. Estamos longe de uma transformação digital efetiva nas escolas, e é essencial que esse processo seja acompanhado de mais experimentação”, afirmou.

Inteligência Emocional para a vida toda
Já no lado de inteligência emocional, o psicólogo e professor Rossandro Klinjey, embaixador e co-fundador do Educa, participou da Jornada Bett Nordeste para abordar a importância de desenvolver as competências ligadas à Inteligência Emocional nas escolas.

“A escola é um espaço fundamental para a construção de identidades”, afirmou Rossandro Klinjey. “Esse processo começa na família, mas continua na escola, onde o aluno passa boa parte da vida. É lá que ele testa o quanto sua inteligência emocional, desenvolvida em casa, é funcional ou não”, disse ele.

Para Klinjey, a escola não é apenas um local para o desenvolvimento cognitivo, mas também para o desenvolver as competências socioemocionais. “Isso inclui o autoamor, que considero a competência central do indivíduo, como se fosse o sistema operacional da alma. Com o autoamor, você desenvolve todas as outras competências; sem ele, fica difícil estabelecer o que é mais importante para você”, afirmou.

Ele destaca que, ao fortalecer o autoamor e a autoestima, os estudantes conseguem lidar melhor com situações desafiadoras. “Quando você trabalha essas competências, sabe pedir ajuda, estabelecer limites e evitar relações tóxicas que podem levar ao bullying, por exemplo. Essa blindagem emocional é uma proteção contra muitas questões”, disse.

Segundo Klinjey, há uma crescente conscientização sobre a importância de trabalhar o interior das pessoas. Ele ponderou que vivemos uma experiência coletiva a partir do nosso filtro pessoal e, esse filtro, muitas vezes, está distorcido pela falta de amor próprio e compreensão de si mesmo, o que compromete a forma como nos entregamos ao mundo.

O psicólogo ainda destacou a relevância de eventos como a Jornada Bett Nordeste, que proporcionam espaços para discussões e compartilhamento de experiências. “Esses eventos são fundamentais, porque permitem que as pessoas se conectem, compartilhem suas dores e busquem soluções conjuntas. A Bett Brasil cresce a cada ano por ser um fórum privilegiado para discutir a educação e reconfigurar padrões. É um ponto de encontro onde podemos construir uma jornada de desenvolvimento de todos que fazem parte do ecossistema educacional”, finalizou.

IA como ferramenta para a gestão
Outro assunto de destaque no segundo dia da Jornada Bett Nordeste foi o debate sobre como a IA pode contribuir na gestão das instituições de ensino. O tema foi conduzido pelo professor titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), André Neves, e pelo professor e cofundador da Letrus, Luis Henrique Martins Junqueira.

O professor titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), André Neves, avalia que, embora a IA generativa, baseada em Modelos de Linguagem de Grande Escala (LLMs), tenha surgido com grande impacto desde novembro de 2022, ainda estamos nos estágios iniciais dessa tecnologia. “Para além do encantamento de ver como esses sistemas podem se comunicar com humanos em linguagem natural, precisamos lembrar que eles não são soluções genéricas para todos os problemas. Esses sistemas têm limitações e não são capazes de lidar com todo tipo de processamento”, afirmou o docente.

Neves vê um potencial significativo na IA generativa para melhorar a gestão de escolas, redes de ensino e secretarias de educação. “Na minha visão, o principal benefício é atuar como um assistente, complementando o trabalho das pessoas. Eles podem ajudar a lidar com grandes volumes de informação de forma mais eficiente, dialogando com os usuários e facilitando a tomada de decisões”, disse.

Contudo, ele enfatiza que há desafios que acompanham essa tecnologia para que o uso da ferramenta seja feito de maneira responsável, ética e realmente positiva. “Precisamos evitar a ilusão de que estamos diante de um oráculo mágico, assim como o medo de que a IA seja um grande vilão para a humanidade. Estamos diante de uma tecnologia com potencial disruptivo comparável a grandes marcos históricos, como a escrita, a imprensa e a indústria, mas com uma evolução muito mais acelerada”, ressaltou.

Neves afirma que as escolas têm um papel fundamental nesse processo de adaptação. “A escola precisa ser protagonista nessa transição. Desde a gestão até a sala de aula, é nas escolas que aprendemos a lidar com o novo. Gestores, professores e estudantes devem estar atentos aos impactos, tanto positivos quanto negativos, desse novo mundo que se abre diante de nós”, finalizou Neves.

Junqueira ressaltou a importância de discussões sobre essa temática para reduzir o nível de desconfiança quanto ao uso da inteligência artificial e estimular o debate sobre aplicações práticas para a solução de problemas específicos. “Nossos estudantes estão produzindo evidências o tempo todo e a organização desses resultados por meio da tecnologia joga luz tanto sobre as boas práticas quanto sobre os pontos de melhoria, embasando decisões de políticas pedagógicas dentro de escolas, regionais e secretarias de ensino”, comentou ele.

Visita técnica ao Porto Digital
O segundo dia da Jornada Bett Nordeste foi marcado também por uma visita técnica realizada no Porto Digital, um dos principais parques tecnológicos e ambientes de inovação do Brasil. A iniciativa é uma novidade preparada nesta edição com objetivo de oferecer aos congressistas do evento uma oportunidade de conhecer in loco instituições de ensino que são referência na cidade de Recife.

“Achei incrível a visita técnica, em especial, a visibilidade para programas e parcerias para jovens com foco em educação”, disse Rafael Cunha, congressista da Jornada Bett Brasil que participou da iniciativa. Na mesma linha, a professora Evelyn Nascimento relatou: “Ainda não conhecia o Porto Digital. E, como professora de inglês que utiliza muitas ferramentas de tecnologia em sala de aula, a visita técnica proporcionou uma inspiração que vai agregar na minha vida profissional”.

Para o representante do Porto Digital e responsável pela condução da visita técnica, Henrique Steinberg, a experiência com o público da Jornada Bett Nordeste no Porto Digital mostrou a importância das conexões no universo da educação. “As conexões reduzem o tempo para que as coisas aconteçam, catalisam resultados e multiplicam o que há de bom. Isso é o que faz as experiências positivas se multiplicarem e as negativas serem evitadas. Conexões, transparência e valores sólidos de cidadania e sociais são a base de tudo. No Porto Digital, é exatamente isso que seguimos, ampliando os valores dos nossos fundadores e aplicando-os no nosso trabalho”, finaliza Steinberg.